EM FRENTE AO ESPELHO
Fui concebida por um ato de amor, ainda só um esboço em formação. Passado algum tempo completei 120 dias dentro de minha mãe e fui soprada pelo Anjo Gabriel, assim começa minha jornada a qual só participarei ativamente depois de meu nascimento. É dia 25 de abril de 1978, vejo pela primeira vez o rosto de minha mãe, meu pai e meus parentes. Finalmente conheço a luz do dia, da noite, sinto frio, calor, fome, tenho medos, ouço barulhos estridentes e reconfortantes, enfim NASCI. Sou então um bebê e dependo de todos para que possa crescer e compreender melhor tudo o que me rodeia. Imagino querido leitor, que esteja ironicamente exclamando: QUE MEMÓRIA!Respondo-lhe com convicção, memória lógica, baseada nos fatos que serão narrados posteriormente.
Minha família tem uma língua própria, costumes, hábitos, ideias, gostos muito particulares, só deles, e que lhes foram herdados por seus pais, que herdaram também de seus pais, mas que em algum momento se perdeu. Entretanto, cresço em meio a tudo o que eles tem direta ou indiretamente pertinentes a mesma raiz. Participo ,por isso, da cultura Brasileira; aprendo a língua portuguesa, crio hábitos simples de família tipicamente caipira, degusto maravilhas como arroz, feijão , chuchu ( tudo feito em forno a lenha/representação da cidade de minha infância), degusto também de Leite Quente ( tipicamente sulino, minha cidade natal PR), aprendo a defender ideias que na verdade não são minhas, mas que por serem tão presentes passam a fazer parte de mim e nem percebo que não são minhas.
Minha família é como a grande maioria, mas ao mesmo tempo única. É uma família classe média-baixa, católica praticante, simples, cheias de contas, pagando aluguel, cheia de alegrias e tristezas, brigas e acertos..., mas o que nos tornam únicos são as pessoas que compõem essa família. Afinal, somos únicos e isso é indiscutível.
Cresço então, como toda adolescente uma aborrecente, mas sendo eu de família tradicionalmente católica praticante, do interior, simples, com valores firmes e até considerados retrógados, uma aborrecente metida a adulta e vista como adulta pelos meus familiares.Assim sou capaz de trabalhar, compreender com dimensão responsabilidades, capaz de decidir com precisão todos os meus atos,desse modo com dezesseis anos fui então emancipada e comecei minha trajetória até a descoberta do Islã.Isso porque com dezesseis anos inicio meu crescimento intelectual.
Começo agora a narrativa sobre meu encontro comigo mesma, como se estivesse em frente a um espelho e visse diante de minha imagem o que buscava em meu intimo a tanto tempo...
Desde minha infância carregava em peito uma inquietude, por conta de várias dúvidas em relação a minha existência no mundo, dúvida quanto a eu ser uma pecadora, em relação a um pai que foi capaz de permitir matar seu filho para salvar os outros, em relação a julgamentos feitos por homens , a santificação de pessoas como se fosse isso possível sem que alguém soberano assim determinasse, enfim carregava em meio peito um turbilhão de incógnitas que eram sempre respondidas pela metade ou com palavras de outros que tiravam de outros , mas que não encontravam fonte original, sempre traduzidas, interpretadas e manipuladas. Durante muito tempo defendi com unhas e dentes aquilo que minha família havia me ensinado, embora sentisse em meu intimo um imenso vazio e inquietude. Mas idependente de ideologia, caros leitores, para aqueles que acreditam em Deus (seja em qual religião estiver) nada acontece em nossas vidas por acaso e a medida que estudava e evoluía intelectualmente, colocando-me em posição de consciência do mundo a minha volta, sentia que caminhava em direção as repostas de todas as minhas incógnitas. Tudo o que me acontecia de bom ou ruim me faziam evoluir, crescer intelectualmente, desenvolver meu senso critico, e cada vez progredia em relação ao que procurava.
Assim, estimados leitores,vi-me diante da palavra árabe. Num primeiro momento movida pela possibilidade de me destacar ao adquirir um idioma tão diferente do nosso, também pelo fato do professor de árabe ter encantado meus olhos com tanta beleza (ele é hoje meu noivo). Contudo, esse professor era também brasileiro, de família tipicamente tradicional, classe média, quase todos os parentes dele também católicos..., mas ele era diferente demonstrava conhecer-se muito bem e seus olhos eram firmes, seguros, cheios de luz... Agora acredito ,caros leitores, que tenha até despertado suspiros românticos (principalmente nas leitoras), mas foi essa luz que me encaminhou ao Islã. Sim, esse homem, professor de árabe por conta de uma bolsa na faculdade onde eu trabalhava como coordenadora de projetos sociais, é um muçulmano e se aproximou de mim tratando-me como um tesouro. Começamos um noivado, sim um noivado, porque muçulmano só se aproxima de uma mulher com intenções sérias. Mulheres para o Islã são tesouros e devem assim ser tratadas, jóias raras. Mas, eu ainda me mantive católica e ele nunca tentou de alguma maneira me induzir ao contrário, sempre com muita paciência respondia ao que eu perguntava. Comecei então a estudar o Islã na internet e por alguns poucos livros a mim disponibilizados e a cada linha que entrava em contato, a cada nova palavra lida uma incógnita dentro de mim se dissipava.Passado algum tempo, em meio a atribulações na minha vida, senti em meu intimo uma imensa vontade de me sentir próxima a Deus como os muçulmanos se sentiam, senti a necessidade de me sentir criatura de Deus e não uma pecadora que foi salva, senti a necessidade de alimentar-me da fé em Deus Misericordioso e não de deus vingativo, cruel... Resolvi assim me encarar de frente e sustentar os cinco pilares que regem o Islã: O testemunho da fé, a Oração, o Zakat, o jejuar no Ramadã e a peregrinação a Meca. Resolvi voltar ao que sempre esteve dentro de mim " a fé em um Único Deus " . Então, entrei em contato com a mesquita mais próxima e falei da minha vontade de fazer a shahada ( testemunho de fé) e me reverter ao Islã. Em seguida, marcamos num sábado, o qual considero agora o sábado de luz em minha vida, isso porque nesse sábado ao fazer a shahada e me prostrar para minha primeira oração me senti tão criatura de Deus que até me emociono ao refazer essa imagem em minha mente. Hoje sou muçulmana graças a Deus e sou muito feliz. Mas enfrento muitos preconceitos, piadinhas, olhares tortos, pensamentos distorcidos de pessoas que nada sabem sobre o Islã, mas mesmo assim se acham no direito de julgar. Enfrento pessoas ignorantes de conhecimento , baseados em achismo, em palavras proferidas por terceiros, de coisas que leram e foram interpretadas ou traduzidas por outros, enfim ... enfrento pessoas que se julgam melhores, maiores, diferentes, especiais; como se eu não mais pertencesse a esse mundo, ou não mais pertencesse a esse país, a essa época, como se eu fosse alguém extraordinária e na verdade hoje sou mesmo, sou uma serva de Deus, uma criatura de Deus e ao contrário deles não os vejo como diferentes, mas como pessoas que ainda não se depararam com um espelho para assim se perceberem e pararem de me encarar como se eu fosse uma estranha. O Islã não mudou minha vida, mas sim fez com que eu enxergasse com nitidez quem eu sou, o que quero, a quem devo adoração e louvores (somente a Allah), como posso encontrar meu equilíbrio (oração), como posso me valorizar (recato), como posso traçar meu caminho: só Deus tudo determina! Essa é minha história de reversão ao Islã e hoje sou muito feliz sendo muçulmana, entretanto o que me entristece e perceber um mundo com tantas pessoas mesquinhas, cruéis, ignorantes, preconceituosas e de corações insensíveis. Espero, em Allah, ver o mundo mudar e poder sair sem as perguntinhas: Você é Árabe? Seu marido te bate? Você é reprimida, usa o véu obrigada? Sua religião mata pessoas? . Espero poder perceber que todos tem acesso a cultura e estudo e que por isso são esclarecidas. Espero, em Allah, ver um mundo mais humano, com mais solidariedade, mais irmandade, mais amor... Que Allah (Deus ... e seus mais belos nomes) nos proteja! Hoje compreendo os olhos do meu noivo e mantenho em meus olhos o mesmo brilho, o da fé em Allah!
SOU MUÇULMANA GRAÇAS A DEUS e pude ver com nitidez que sempre fui muçulmana só não havia ainda olhado para mim mesma. Então, desde antes de minha concepção tudo foi permitido por Deus para que eu pudesse olhar no espelho e me reconhecer como sua serva e criatura. ALLAH AKBAR! Deus é o Maior!